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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Artes: Quais são as pontes dos grandes eventos expositivos com a realidade?

Le Conquérant (1942), de Joseph Steib
Publicado originalmente no site Cult Cultura em 13/08/2013

Desde que ocorreram diversas manifestações por todo o Brasil no mês de junho deste ano, vários especialistas deram entrevistas para “diagnosticar” as motivações, características, resultados e afins, sobre tão grande movimento. Um desses especialistas, sociólogo que trabalha à frente de um instituto de pesquisa, falou em quase todos os canais de televisão que “a ascensão econômica do país elevou o nível de consumo das pessoas, que passaram a buscar novas formas de conhecimento e, por sua vez, passam a compreender mais a situação política e, assim, reivindicar novas necessidades, configurando o que pode chamar de ‘desenvolvimento de cultura e cidadania’”. Será mesmo? Por natureza, não pude deixar de questionar e me pergunto até que ponto estes dados correspondem à realidade que vivemos cotidianamente. A oferta cultural que tanto tem crescido, de fato tem se articulado de forma que represente efetivamente um crescimento da cultura que leva à cidadania?

Desde a exposição de Auguste Rodin realizada entre junho e julho do ano de 1995 na Pinacoteca do Estado de São Paulo (quando a situação econômica do país era instável), constrói-se a ideia de que grandes eventos deste porte poderiam alavancar um novo panorama na apreciação das artes no país, bem como torná-lo turisticamente mais aprazível e confiável, diante de padrões europeus. Hoje, estes eventos possuem um papel de grande importância no calendário das instituições, sejam elas na cidade de São Paulo ou pelo Brasil afora, com a proposta de viabilizar o acesso a estes artistas e suas obras, cujo conhecimento das pessoas, em grande parte, se dava apenas por livros, revistas ou TV. Dalí, Monet, Escher, Caravaggio, pintores Renascentistas… E o fenômeno dos “milhões de espectadores” passou a encher os olhos e as pretensões dos realizadores destes eventos expositivos, que agora são obrigatórios nos calendários de algumas instituições. Sujeitar-se às filas quilométricas na entrada dos museus, esperar de três a quatro horas para ver uma exposição e torcer pelos horários estendidos para atendimento ao público tornaram-se um indicador de sucesso da “fome cultural da população, que aprendeu a consumir arte”. Esta oferta de fato nos tornou grandes consumidores de cultura e apreciadores de arte? Que conexões existem entre esses grandes eventos culturais e a realidade concreta de nosso povo brasileiro?

Recentemente, no dia 22 de maio, pude visitar, no museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, a exposição “L’arte em Guerre – France 1938 a 1947, de Picasso a Dubuffet”, concebida pelo Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris (onde ficou em exposição de 12 de outubro de 2012 a 17 de fevereiro de 2013). Apresentando de forma cronológica a criação artística que escapou aos mandos oficiais da França naquele período, essa exposição trouxe aspectos dos artistas que lá se encontravam, diante de difícil situação política e militar, sendo estes obrigados a improvisar e adaptar novas ferramentas, materiais e formas de trabalho, propondo o que chamavam de “a guerra da guerra”. Em doze seções, a história da ditadura nazista e do governo de Vichy na França é contada abordando desde a Exposição Internacional do Surrealismo em 1938, passando pela resistência de Picasso e as expressões aterrorizadas pós-nazismo de Dubuffet. O que mais me chamou a atenção em todo o contexto foi um texto curatorial em um dos painéis da exposição, logo na entrada. Este texto, usando as obras de arte ali expostas como ponte entre o passado e o presente, afirmava que nos momentos de crise, a tomada de poder pela extrema direita restringiu os direitos e liberdades, proibindo manifestações artísticas e culturais, necessárias para a transformação da sociedade. Em tom direto, a curadoria da exposição afirmava que era necessário refletir sobre os erros do passado a fim de não cometê-los outra vez no presente, assumindo um caráter político ao dispor do seu acervo para recontar esta história. Tanto a França quanto a Espanha (que recebeu a exposição posteriormente – de 16 de março até o próximo dia 8 de setembro), apresentam altos índices do crescimento parlamentar da extrema direita, bem como vivenciam manifestações diárias desses representantes nos veículos de comunicação. No período em que estive na França, um ultraconservador entrou na catedral de Notre Dame e cometeu suicídio diante de um dos altares, na frente de mais de mil pessoas; na TV francesa, parlamentares argumentavam sobre a necessidade de endurecer as leis contra imigrantes e, nas ruas, manifestantes caminhavam pedindo a expulsão de estrangeiros, além de gritar contra os casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, ainda que reprimidos violentamente pela polícia, outros manifestantes lutam pelos mesmos direitos que os outros querem lhes negar.

Não trago conclusões e nem mesmo tenho condições para isso neste momento. No entanto, ciente de que o mundo se faz com as dúvidas e não com as certezas, trago aqui alguns questionamentos: estamos devidamente formados culturalmente a ponto de sermos meros apreciadores das grandes artes nos grandes eventos? Que relação podemos estabelecer entre estes eventos de contemplação artística e nossa realidade, que não sejam apenas indicados pelo consumo, devido à situação econômica? Estão nestes eventos os instrumentos essenciais para nossa formação cultural e cidadã? As curadorias destes eventos estão desenvolvendo exposições que se relacionam ao que temos vivido em nossa sociedade? O que fica para nós após um evento deste porte? Por que, diante de tanta força de eventos expositivos como esses, com grande índice de visitantes, assistimos ao fechamento do Museu Paulista, essencial para a história do país? Faça você também suas perguntas.

Por Adriano Tardoque

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