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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

CONTO: O MONGE DENTE-DE-LEÃO

O velho e doente mestre, chamou dois monges que iriam para a América em missão espiritual e lhes disse:

- Compassivos irmãos, das belezas da natureza se alimenta nosso espirito. Eu nunca vi a flor que chamam de dente-de-leão. Dizem que é uma pequena e sensível flor que faz com que suas sementes voem para encontrar um lugar para cair e brotar. Dizem também que os nativos da América a usavam para purificar o sangue e que as crianças ficam felizes em brincar de soprá-las. Peço humildemente que me tragam cada um uma flore dessas, para que eu conheça tão bela e simples obra da natureza, antes da minha partida definitiva. 

Os monges seguiram sua jornada. Rodaram por diversos países das América levando sua mensagem de paz. No dia de retornar, seguiam para o aeroporto e encontraram em jardim público dois exemplares da flor. As colheram, cada um a sua, seguindo a jornada de regresso.

Tiveram problemas para embarcar no avião com as flores nas mãos, pois os homens do ocidente tem regras e restrições para todas as coisas. Com o auxílio de autoridades locais, conseguiram seguir adiante. Posteriormente quando desembarcaram, enfrentaram uma forte ventania. Aos poucos, as flores perdiam suas sementes aladas e os monges ficavam preocupados. Do aeroporto seguiram de trem, do trem pegaram um ônibus, do ônibus seguiram a cavalo, dos cavalos seguiram a pé. O monge maior, ao ter sua flor toda despelada, jogou fora o que sobrou. "O mestre entenderá", pensou. O monge menor, ainda com uma semente, fazia de tudo que podia para mostrar ao mestre o que tanto desejava.

Ao chegarem no mosteiro, tiveram a notícia de que o mestre estava em seus últimos momentos. Entraram em seu leito que estava com a janela aberta. O mestre perguntou ao monge maior:

- Então, você trouxe o dente-de-leão?

- Mestre, durante o caminho o vento levou todas as sementes aladas. Acabei jogando pelo caminho o que sobrou. - respondeu o primeiro monge.

O mestre olhou na direção do monge menor que, num gesto de entusiasmo, puxou a flor em sua direção. O vento que entrava pela janela imediatamente arrancou a última semente alada que havia. Entristecido, o monge menor ajoelhou-se ao pé da cama. O velho mestre pegou de sua mão o que sobrou da flor e ficou durante uma fração de segundos observando aquela pequena semente que voava loucamente, de um lado para o outro do quarto, até sair pela janela. Olhou para o monge maior e disse:

- Se justifica jogar fora o talo da flor, por não ter conseguido trazê-la inteira? E todo trabalho que teve para trazê-las desde a América até aqui? Mas eu o entendo. 

O monge maior respirou aliviado. 

Então, o velho mestre voltou-se para monge menor, pegou o talo que trouxe e lhe tocou a testa, dizendo:

- Você me proporcionou, ainda que por um irrisório fragmento de tempo, ver aquilo que eu tanto esperava: a semente que voa, faz nascer mais flores, purifica o sangue e alegra crianças. Mesmo que não tivesse sobrado se quer uma semente alada, eu ficaria feliz em ver de onde elas saltavam para o voo. Você justificou meu pedido. Eu voarei como a semente alada. Eu o entendo. Você ficará em meu lugar, Monge Dente-de-Leão.

O mestre fechou os olhos e pairou sob o mosteiro como uma semente alada.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ONDE ESTA A COMPAIXÃO?


Enquanto caminhavam por uma estreita rua de um vilarejo, o monge perguntou ao mestre:
- Afinal onde esta a verdadeira compaixão humana: no coração, na razão, na alma, no espírito?
O mestre apontou para um idoso cego que dividia um pedaço de pão com um cachorro também cego.
Ao se de parar com aquela cena, o monge não pode conter as lágrimas que lhe vieram aos olhos.
- No olhar. - Respondeu o mestre.

Por Adriano Tardoque




quarta-feira, 4 de setembro de 2013

COR DE PELE

I., tem 8 anos e seu irmão, A., 5 anos. Ambos são filhos de J., mãe negra, nascida na Bahia, com G., pai nigeriano. Pelas demandas da vida, J. cria sozinha seus dois filhos uma vez que o pai voltou para seu país. A vida nunca foi fácil para J., que trabalha como técnica em enfermagem, prestando serviços no sistema home care, numa escala 12 por 36, usando suas folgas para fazer bicos como diarista. Desde muito cedo, esta mãe trava inúmeras batalhas para manter seus filhos na escola, tendo que várias vezes recorrer aos juízes do fórum de Santana, zona norte de São Paulo, para fazer prevalecer o direito deles ao estudo. Tornou-se comum, após a recusa das crianças nas creches e escolas da região, voltar alguns dias depois com uma declaração do juiz obrigando a instituição a matriculá-los imediatamente. E ela faz isso sempre de cabeça erguida, com toda autoridade de quem foi à luta e fez cumprir seus direitos. 
Nas férias de julho deste ano, estes meninos (afilhados meu e da minha irmã) vieram passar um dia comigo, para que pudéssemos nos divertir com atividades e passeios. Numa destas atividades, ambos escolheram desenhos na internet para pintar: I., escolheu o Super-Homem, e A., escolheu o Batman. Enquanto eles ficavam ali entretidos, colorindo seus heróis preferidos, conversávamos sobre rotinas da vida como ir para a escola e cotidiano caseiro. Em dado momento, verifiquei que I., não encontrava a cor deseja para pintar o rosto do seu herói. Perguntei então por qual cor ele procurava, recebendo a resposta: “estou procurando o lápis cor-de-pele”. O meu espanto foi imediato e ele ficou uma fração de segundos olhando para minha expressão. A., disse logo em seguida: “eu também vou precisar do lápis cor-de-pele”. Perguntei onde aprenderam que aquela cor tinha aquele nome e, juntos, eles responderam: “na escola”. Sugeri então que parássemos a pintura dos desenhos por alguns minutos, para conversar sobre isso. Pedi para que I., segurasse o tal lápis “cor-de-pele”, de encontro ao seu braço e perguntei se aquela cor era a mesma que a sua pele. Ambos, atentos, disseram que não. Sugeri, então, que eles procurassem em meio às centenas de lápis coloridos, aqueles que se assemelhavam a cor da pele deles. Surgiram inúmeros tons de marrom, que um a um, foram defrontados com as costas das suas mãos, até que um deles estivesse de acordo. Pedi então que eles pensassem qual era a conclusão que poderiam tirar deste fato. I., disse que “não existe só uma cor-de-pele”. Surpreso e concordando, A., disse que, assim que voltasse de férias, contaria para a professora a sua nova descoberta. Agora, o lápis "cor-de-pele" passou a se chamar "um tipo de rosa" e o lápis da cor da pele deles, passou a se chamar "um tipo de marrom". 
A escola ainda é ineficaz no processo de reflexão das sutilezas do seu papel no desenvolvimento humano e social, sendo que nas pontas do processo, surgem as demandas do que é a sociedade e o que ela nega. E as lutas de J., mãe de I. e A., tem muito mais faces do que ela pode imaginar. 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Infância, museu, história e realidade

Museu Paulista
“Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
Mais vale o inútil do fazer”

(João Cabral de Melo Neto, no livro “Museu de tudo”, página 1)

Postado originalmente no site Cult Cultura em 20/08/2013.

Na minha infância, pelo menos uma vez por ano, meu pai levava a nossa família para o “Museu do Ipiranga”. Era sempre um evento de grande emoção, pois além do algodão doce colorido que era vendido nas imediações, novamente se renovava a chance de estar no que eu, ingênuo infante, imaginava ter sido a casa de D. Pedro I, magna figura heroica que nos fez livres de Portugal. Entrar no museu e deparar-se com o quadro gigantesco de Pedro Américo era a verdadeira dimensão das virtudes de um libertador da pátria, responsável definitivo por nossa busca de autonomia. Tamanha era a alegria de saber que tínhamos heróis e que num passado distante, o Tiradentes esquartejado e violentamente exposto em praça pública pela coroa portuguesa (imagem também de Pedro Américo, que ilustrava os livros didáticos e assustava qualquer um!) teve seu ideal concretizado. Enquanto sonhava em visitar a Torre Eiffel e a estátua da Liberdade, querendo dizer para crianças da França e dos EUA que também tínhamos grandes heróis e edificações, eu vivia o museu com a dimensão exata daquilo que ele dizia. Acreditava que tudo ali era vivo, fato este que me levou a segurar na mão de uma estátua de madeira de um escravo, cuja expressão, segundo meu pensamento, “pedia” um aperto de mão, o que me levou a dar um “oi”, imediatamente. Repreendido pelo segurança que ali estava e sofrendo discretos beliscões da minha mãe enquanto nos retirávamos e eu contorcia meu braço, me questionava qual o motivo de tal censura.

Passaram-se os anos, a criança cresce, o mundo se transforma e a visão também. As dúvidas permanecem e, mais do que isso crescem, se multiplicam e passam a povoar todas as situações do cotidiano. A historiografia brasileira teve grandes transformações, sendo seus heróis, um a um, alvos de inúmeras reconstruções e desconstruções. O bon vivant D. Pedro I, não é mais o mesmo, diante de pressões políticas, independências da America Latina, pressões internacionais e agonias vividas em Portugal no seu tempo. Tiradentes, o “bode expiatório”, também não é mais o mesmo. Talvez o ícone histórico mais devassado pelos historiadores, cuja trajetória de martírio e luta, além de alimentar os ideais nas mentes e corações durante décadas, teve um circuito histórico, turístico e cultural criado ao redor da sua aura. Como desmontar economias locais que significaram seu sentido sobre estes mitos? Delicado e complexo.

O “Museu do Ipiranga”, que passou a ser o Museu Paulista, hoje é um museu fechado. As previsões de reabertura são estimadas entre 2 e 8 anos, de acordo com o que, segundo alguns especialistas “pode ser feito” ou “seja prioridade”. Os gestores deste e de outros museus de suma importância, responsáveis por qualificar aqueles que serão os que “cuidam de museus”, não conseguiram mantê-lo em funcionamento, deixando claro mais uma das inconstâncias e incongruências que se espalham pelo Brasil afora, quando o assunto é reconhecimento e investimento para o gerenciamento e manutenção do patrimônio artístico, histórico e arquitetônico do país. Para concluir, em notícia do jornal Valor Econômico de 14 de agosto de 2013, Andrey Rosenthal Schlee, diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), declara que o órgão está prestes a falir por falta de efetivo e de investimentos.

Por Adriano Tardoque.