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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

COR DE PELE

I., tem 8 anos e seu irmão, A., 5 anos. Ambos são filhos de J., mãe negra, nascida na Bahia, com G., pai nigeriano. Pelas demandas da vida, J. cria sozinha seus dois filhos uma vez que o pai voltou para seu país. A vida nunca foi fácil para J., que trabalha como técnica em enfermagem, prestando serviços no sistema home care, numa escala 12 por 36, usando suas folgas para fazer bicos como diarista. Desde muito cedo, esta mãe trava inúmeras batalhas para manter seus filhos na escola, tendo que várias vezes recorrer aos juízes do fórum de Santana, zona norte de São Paulo, para fazer prevalecer o direito deles ao estudo. Tornou-se comum, após a recusa das crianças nas creches e escolas da região, voltar alguns dias depois com uma declaração do juiz obrigando a instituição a matriculá-los imediatamente. E ela faz isso sempre de cabeça erguida, com toda autoridade de quem foi à luta e fez cumprir seus direitos. 
Nas férias de julho deste ano, estes meninos (afilhados meu e da minha irmã) vieram passar um dia comigo, para que pudéssemos nos divertir com atividades e passeios. Numa destas atividades, ambos escolheram desenhos na internet para pintar: I., escolheu o Super-Homem, e A., escolheu o Batman. Enquanto eles ficavam ali entretidos, colorindo seus heróis preferidos, conversávamos sobre rotinas da vida como ir para a escola e cotidiano caseiro. Em dado momento, verifiquei que I., não encontrava a cor deseja para pintar o rosto do seu herói. Perguntei então por qual cor ele procurava, recebendo a resposta: “estou procurando o lápis cor-de-pele”. O meu espanto foi imediato e ele ficou uma fração de segundos olhando para minha expressão. A., disse logo em seguida: “eu também vou precisar do lápis cor-de-pele”. Perguntei onde aprenderam que aquela cor tinha aquele nome e, juntos, eles responderam: “na escola”. Sugeri então que parássemos a pintura dos desenhos por alguns minutos, para conversar sobre isso. Pedi para que I., segurasse o tal lápis “cor-de-pele”, de encontro ao seu braço e perguntei se aquela cor era a mesma que a sua pele. Ambos, atentos, disseram que não. Sugeri, então, que eles procurassem em meio às centenas de lápis coloridos, aqueles que se assemelhavam a cor da pele deles. Surgiram inúmeros tons de marrom, que um a um, foram defrontados com as costas das suas mãos, até que um deles estivesse de acordo. Pedi então que eles pensassem qual era a conclusão que poderiam tirar deste fato. I., disse que “não existe só uma cor-de-pele”. Surpreso e concordando, A., disse que, assim que voltasse de férias, contaria para a professora a sua nova descoberta. Agora, o lápis "cor-de-pele" passou a se chamar "um tipo de rosa" e o lápis da cor da pele deles, passou a se chamar "um tipo de marrom". 
A escola ainda é ineficaz no processo de reflexão das sutilezas do seu papel no desenvolvimento humano e social, sendo que nas pontas do processo, surgem as demandas do que é a sociedade e o que ela nega. E as lutas de J., mãe de I. e A., tem muito mais faces do que ela pode imaginar.